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Brasil precisa ampliar arrecadação sobre renda e riqueza

29 Sep 2023 158 VISUALIZAÇÕES

A auditora fiscal federal, Maria Regina Paiva Duarte, vice-presidenta do Instituto Justiça Fiscal, abriu a segunda mesa de debates do Seminário “Reforma Tributária para um Brasil socialmente justo: desenvolvimento, políticas sociais, emprego decente e distribuição de renda”, que acontece nesta quinta-feira (28), em São Paulo, lembrando que “o Congresso Nacional vai iniciar o debate sobre a tributação da renda”, portanto, a sociedade e os movimentos sociais precisam “estar com o tema bem afinado”.

O Supervisor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Júnior, fez coro à unanimidade da mesa de abertura, ao dizer que é necessário aproveitar todas as oportunidades para ampliar este tema junto ao movimento sindical, que precisa se engajar no debate sobre a reforma tributária. “Se pegarmos as últimas reformas, o engajamento dos trabalhadores foi muito maior. E o que nos motivou a participar deste seminário foi a necessidade de fazer com que a classe trabalhadora se engaje no debate e na mobilização pela reforma tributária justa, no mínimo de uma forma igual ao que fizemos no último período”, disse. “Senão, teremos que refazer outras reformas trabalhista, previdenciária e administrativa, pois o Estado não terá condições de arcar com os custos destas políticas”.

O mito da redução de impostos

Para Fausto, há um consenso de que o sistema tributário brasileiro é regressivo, complexo e pouco transparente. “Mas, o nosso problema é que, inclusive nas nossas bases, o que reza são as teses neoliberais, da necessidade de redução de impostos”, afirmou. “É muito comum a gente ouvir, nas nossas bases, que precisamos reduzir impostos. Basta olhar o que acontece na discussão sobre a contribuição assistencial. Como financiamos o sistema, se o próprio trabalhador não compreende a necessidade haver este financiamento? Este debate da redução dos impostos vai nesta mesma esteira da não compreensão de quem financia o fundo público”, completou.

Fausto ressaltou que se sobressai a teoria liberal, de que é preciso ampliar o número de pagantes (base de tributação) para aumentar a arrecadação. “Do ponto de vista liberal, pode até parecer que essa proposta é bastante solidária, pois faz parecer que, aumentando a base de pagadores, fica mais leve para todos recolher o que é preciso ser arrecadado. O problema é que em um país onde dois terços ganham até dois salários-mínimos, isso quer dizer que vamos ampliar a base tributária sobre que ganha menos”, explicou.

Mas, para o supervisor-técnico do Dieese, não podemos discutir somente a arrecadação, também é preciso discutir sobre o fundo público para resolver as demandas sociais básicas da maioria da população brasileira, que possui 33,1 milhões de pessoas passando fome, 10 milhões morando em área de risco, 100 milhões sem coleta de esgoto. “Ou a gente compreende que é preciso avançar neste debate, ou vamos ficar presos no debate que é posto pelo próprio capital”, avaliou.

Para Fausto, a justiça tributária passa pela diversificação de fontes, mas, a depender do que for aprovado no Congresso, podem ser criados problemas neste ponto. “O problema não é o grande número de impostos, são os regimes especiais, exceções, incentivos e deturpações da legislação tributária”, disse.

Imposto de renda

Fausto disse que, no Brasil, quem paga imposto de renda são os trabalhadores com carteira assinada e a classe média, e que a alíquota é reduzia para aqueles que têm rendimento acima de 40 salários-mínimos. “Quem ganha acima de 40 salários-mínimos paga a mesma alíquota de um trabalhador”, pontuou.

O trabalhador paga impostos sobre a PLR, mas os acionistas não pagam sobre a distribuição de lucros e dividendos. “Se a base é a mesma, assim como a divisão dos lucros, por que um paga e o outro não?”, questionou o supervisor-técnico do Dieese.

Outra disparidade apontada por Fausto é a diferença da alíquota média cobrada sobre os rendimentos de empregado de empresas privadas (8,2%), em relação à cobrada de proprietários de empresas (3,6%).

Gerador de desigualdade

Para a economista Marilane Teixeira, do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp, o trabalhador não percebe o quanto o debate tributário está relacionando ao seu cotidiano. “O sistema tributário tem um recorte de classe. E infelizmente ainda tem gente que trata o tema como se houvesse neutralidade”, observou.

“É preciso deixar claro que, para haver políticas públicas em benefício da população, deve haver arrecadação. Sem recursos não dá para enfrentar a desigualdade”, disse a economista. “O capitalismo produz distorções e o meio de se combater isso é promover políticas públicas. E isso somente é possível com a intervenção do Estado”, completou.

Mostrar quem vai pagar

Para o economista Paulo Nogueira Batista, ex-vice-presidente dos BRICS e ex-diretor do FMI, quando falamos em elevar a taxação temos que deixar claro que se trata dos super-ricos. “Ninguém nessa terra está acima de críticas. Em um discurso, o presidente Lula disse que ‘reduzir as desigualdades requer fazer os ricos pagar impostos proporcionais ao seu patrimônio’. Temos dois problemas aí: ele fala em ricos e não em super-ricos. Isso é importante, porque a classe média se considera rica. E ele [Lula] fala em impostos proporcionais e não progressivos”, disse.

“O Brasil é um paraíso fiscal dos super-ricos e é o paraíso dos rentistas, também. Porque graças à política de juros do Banco Central, temos uma singularidade. Aqui, as pessoas que têm patrimônio financeiro podem aplicar seu patrimônio com juros muito altos, liquidez e risco baixo ou zero”, completou.

A economia precisa crescer

Para o professor da Unicamp e presidente do IBGE, Marcio Pochmann, mais do que argumentos, “nosso papel é mobilizar para que os trabalhadores realizem ações contundentes para alterar as regras de tributação do sistema brasileiro”, ao acrescentar o que temos uma tributação extremamente funcional à reconfiguração do capitalismo brasileiro.

“A tributação tem tido um papel muito importante na justificativa de um país que está, praticamente, há quatro décadas submetido a um regime de semiestagnação da renda per capita. Nós já fomos cerca de 3,2% do PIB mundial, hoje somos algo em torno de 1,6% do PIB mundial. Ou seja, nós perdemos posição relativa”, disse Pochmann ao acrescentar que a mudança no sistema tributário abriria a possibilidade de o país aumentar a produção interna e, com isso, elevar o nível de emprego e de renda.

“Quando um país não cresce, quando não gera riqueza, há a possibilidade de, mesmo não crescendo a riqueza, aumentar o número de ricos ou, se quisermos então, dos super-ricos. E essa tem sido a trajetória do Brasil. A renda per capita nacional se mantém praticamente estabilizada, mas ao mesmo tempo há aumento do número de ricos no andar de cima do país, e isso tem sido possível justamente porque o sistema tributário favorece isso. E esse favorecimento se deve porque o Brasil viveu nos anos 90 uma reforma tributária neoliberal. Tínhamos [antes] um sistema tributário que não era grande coisa, não era progressivo, mas essa reforma dos anos 90 permitiu suavizar os tributos de quem ganha mais”, disse.

Pochmann destacou ainda que a reforma do sistema tributário dos anos 90 favoreceu os ricos e tem conexão com aumento do endividamento no país. “A ideia da redução de tributação dos ricos era que, com aumento dos gastos deles, esses gastos seriam feitos pelo consumo, no mercado e, com isso, haveria criação de empregos. Mas o que de fato aconteceu é que esta redução da tributação apenas ampliou a renda disponível [dos ricos], não ampliou o consumo dos mais ricos, porque eles direcionaram os recursos para o rentismo, para o sistema financeiro. Assim, o alívio da tributação permitiu que os ricos passassem a financiar o Estado, não como, em tese, faziam anteriormente, pagando impostos, mas com a aquisição de títulos públicos – instrumento que permite aumentar o número de ricos, bilionários no país, sem a distribuição de renda”, explicou.

Pochmann finalizou dizendo que a luta pela reforma tributária não é apenas uma luta em torno da justiça tributária. “É muito mais, porque pode ter um elemento fundamental para retirar o país de uma trajetória, já longa, de baixíssimo dinamismo econômico.”

Fonte: CONTRAF